quarta-feira, outubro 27, 2004

Menina do Campo

A Alexandra era uma menina do campo.
Tinha um par de mamas maior do que a Estátua da Liberdade e uma crica com um cheiro tão intenso como o de qualquer tarte de maçã.
O seu corpo era desenhado pelo mais suave dos pinceis. O seu rabo fazia lembrar um manjerico bem aparado. E a sua silhueta era a maior de todas as provocações.
Mas Alexandra tinha um grande senão.
A sua cara era de vaca. E o seu cabelo de Rata.
Todos os que lhe tinham saltado para cima, apenas sentiam o seu corpo, muitas vezes recorrendo à cumplicidade de vendas eficazes que lhes tapavam os olhos e lhes permitiam aceder a uma realidade diferende, cumprindo as suas fantasias.
Um dia Alexandra encontrou a felicidade. Aconteceu quando o pai lhe pediu para tomar conta do gado. Foi surpreendida por um boi que se fez ao bife e que conquistou o seu coração.
Ainda hoje é possível ve-los a acasalar na Serra de Sintra naquelas noites em que a lua parece estar prenha.

Na cama do desejo

Estou deitado. A fumar o ultimo cigarro do maço de tabaco que comprei hoje de manhã. Tenho que sair para comprar outro. Ou compro logo uma caixa com uma série deles. Não posso ficar sem fumar. Não agora que o meu corpo deixou de respirar.
Ainda ontem lá fui mas não estava ninguém. Bati à porta, como de costume, e esperei alguns minutos por uma resposta que não chegou a ser dada.
Vou perdendo a paciência.
Tenho tentado resolver esta situação, mas ela não me deixa. Não quer ver a distância que nos separa e que se torna maior de cada vez que se recusa a abrir-me a porta.
Não volto a tentar.
Prefiro a companhia da nicotina ao vicio do teu amor.
E queres-me fazer crer que aquilo que tinhas para dar não era mais do que a desilusão reclusa do teu peito, mas eu não acreditei e não quis crer que fosse possível viver sempre nessa angustia que emolduras como sendo o quadro da tua vida.
Eu próprio também tenho as minhas marcas. Aquelas que foram sendo feitas. Aquelas que tu própria acabaste por fazer e deixar em mim como resultado da tua cegueira e da tua incapacidade de compreender o mundo. O meu mundo. Este que se baseava em ti e que agora ruiu à merce de uma tempestade de cigarros. Os que me fizeste fumar.
Já não quero desejar-te nesta cama. Já não quero ver-te aqui ao meu lado. Nem quero fumar a pensar em ti como se cada passa fosse um beijo nesses lábios porcos e cheios de nada.
És uma porca e não vales nada.

terça-feira, outubro 26, 2004

DESAFIO

Acordas de manhã e estás dentro de uma sala cinzenta, que desconheces, com um frio paralizante a percorrer-te a espinha. Não tens nada à tua volta, apenas paredes. Não há janelas, portas ou entradas de ar. Só te tens a ti e como companhia uma única oportunidade. Um objecto que te ajude a sair dali.

Que objecto escolhes?

Nada

- Olá. O que é que estás aqui a fazer?

- Nada. E tu?

- Nada também.

- E queres fazer alguma coisa?

- Quero.

- Então vamos.

- 'bora.

E lá foram os dois.

segunda-feira, outubro 25, 2004

O RASTO

Quando Helena acordou, ouviu o ruido do soalho por baixo da cama a manifestar uma sonoridade que desconhecia. Imediatamente percebeu que aquele dia seria diferente de todos os outros a que se tinha habituado.

Ao ouvir o despertador, Miguel refilou com a vida, por, mais uma vez, ver-se obrigado a cumprir o ritual massacrante que lhe competia. Olhou para a janela, à procura de um sinal meteorológico que lhe permitisse deduzir que tipo de dia teria pela frente. Mas viu o sol a fugir e reconheceu imediatamente a singularidade daquilo por que ia passar a partir dali.

Joana não dormia há três dias, quando se apercebeu que já estava em mais um ciclo matinal. Atordoada pelo peso das horas, encontrou uma marca na palma da mão que não poderia ter sido feita por si própria ou por alguém que se assemelhasse. Compreendeu que, naquele momento, a inédita surpresa era sua companheira.

Com a destreza de uma mola, Ricardo arrancou para a vida. Acabara de nascer e tinha à sua frente algo que nunca vira. Um ser de formas estranhas que o acariciava de modo estranhamente familiar e que, de certa maneira, apelava à sua vontade de comunicação, mas que lhe trouxera um mundo que desconhecia por completo.

Segue o rasto.

É AGORA

O avião descolou.
E agora?
Ela foi-se embora, deixou-me aqui sozinho, à mercê do vazio que me rodeia.
Não a devia ter deixado ir embora. Não agora que tínhamos tudo o que se pode querer. Não para sempre como o destino manda.
Mas ela foi. E eu fico aqui, à espera de qualquer coisa. Como se o mundo se fizesse das oportunidades que os outros nos dão e não daquelas que criamos para nós próprios e que nos fazem chegar onde queremos.
Partiste sem mim e levaste aquilo que nos pertence. Desapareceste, acompanhada pelo maior de mim. E agora estou aqui. Sozinho. Mas com vontade de ti.
Vejo ali a esquina mas não a sei dobrar. Perco-me no caminho que fizemos tantas vezes mas que agora é outro, disforme e desfocado, prestes a abater-se sobre si mesmo.
E tu que aí estás já sem saber quem eu sou. E eu que me perdi e que te tenho sempre em mim, mas num tempo que já se usou.

Por aí...

O Alegria foi dar um passeio à beira rio. Precisava de olhar para a água para se recordar do tempo em que cada banho que tomava era motivo de riso e chacota para uma tarde inteira. Viu os peixes, em desesperada animação, à procura de alimento no meio do lixo e das porcarias que ali se despejavam. Viu um caranguejo ao sol, prestes a sorrir, por saber que a sua carga energética estava quase a ser reajustada. E viu também um menino. Um menino cabisbaixo e sisudo, deitado num banco que ali se encontrava, com o olhar fixo no vazio e a mente perdida algures na cova da negritude.

-Como te chamas, menino?
-Eu?... Eu chamo-me Triste.

Imediatamente, o Alegria compreendeu que tinha à sua frente alguém muito diferente de si. Que desconhecia por completo. Mas que queria compreender. Resolveu sentar-se ao lado do menino, encostando o ouvido ao seu coração e assimilando aquilo que lhe era dado a ver.
Alegria sentiu-se diferente, consumido por uma estranha força vazia, que o empurrava para o escuro e lhe apertava a alma com gritos surdos e fugazes.
Afastou-se de tristeza e olhou-o nos olhos como um irmão que vê o outro nascer.

-Percebo aquilo que és, respeito o teu espaço mas não posso deixar-te sozinho.
-Porquê?
-Porque o que trazes contigo teve origem em mim.

Desde que se encontraram, o Alegria e o Triste andam de mãos dadas, à solta, por aí.


sábado, outubro 23, 2004

PH

PARTIDO DO HUMOR... VAMOS SORRIR E ANDAR COM ISTO PARA A FRENTE!

MOSTRE OS DENTES E SEJA FELIZ, É MAIS FÁCIL DO QUE ALGUMA VEZ PODERÁ IMAGINAR.

CANETAS AO ALTO, QUADRADOS À VISTA, ENTREGUE A SUA CRUZ ÀQUELES QUE QUEREM REALMENTE O SEU BEM.

sexta-feira, outubro 22, 2004

Um Lugar



De que se faz o papel?

Papel.
Esboço.
Ideia.
Miguel e Nini.
Pessoas.
Vida.
Oportunidade.
Possibilidade.
Viabilidade.
Caminho.
Túnel.
Obras.
Desleixo.
Má vontade.
Problemas.
Resolução.
Descontentamento.
Movimento de massas.
Esparguete.
Alimento.
Papel.

quinta-feira, outubro 21, 2004

Podes ir por ali...



... mas não digas a ninguém.

quarta-feira, outubro 20, 2004

O QUEQUE

A Raquel vai à pastelaria. Procura um queque. Um daqueles com muitas maminhas tostadas prontas a serem devoradas pelo paladar sensorial de quem as vê.
O balcão está vazio, apenas se encontra ali uma cara simpática e disponível, pronta a corresponder a todas as solicitações.


Raquel – Bom dia!

Senhor Pasteleiro – Bom dia, querida menina. Então o que vai ser?

Raquel – Veja lá que estava a caminho de casa e dei por mim a pensar em queques. Como olhei para o lado e vi esta pastelaria com um ar tão agradável, resolvi entrar e tentar a minha sorte.

Senhor Pasteleiro – Pois fez muito bem. Veio ao sítio certo. Temos os melhores queques do País. Todos os feitios, paladares e sensações.

Raquel – Er… Como assim?

Senhor Pasteleiro – Ora bem, vou buscar o tabuleirinho. Uma imagem vale mais que mil palavras, não é isso que se diz?

Raquel – Sim…

Senhor Pasteleiro – Aqui tem, menina. Temos sete variedades diferentes. (Aponta para cada um dos queques, nomeando-os) Queque da Felicidade. Queque do Dinheiro. Queque da Sorte. Queque da Saúde. Queque dos Sonhos. Queque da Beleza. Queque… Normal.

Raquel – Normal?!

Senhor Pasteleiro – Sim. Absolutamente normal, como todos os outros que se vendem por aí.

Raquel – Estou indecisa.

Senhor Pasteleiro – É esse o problema de toda a gente… tudo quer, tudo perde.

Raquel – O que eu queria era um queque.

Senhor Pasteleiro – Escolha então o queque que quer.

Raquel – Olhe… não sei… acho que mudei de ideias… Boa tarde, desculpe o incómodo, sim?

Raquel dirige-se para a porta, pé ante pé, passos ligeiros e instáveis. Deixa a pastelaria, retoma o caminho que inicialmente seguia, tropeça e é surpreendida por um menino a comer a ultima maminha de um queque absolutamente normal, inchado pela felicidade que aquele sabor lhe provoca. Raquel numa ânsia brusca, como se fizesse um passo de magia, rouba a ultima maminha da mão do pequeno rapaz e corre desesperadamente em direcção ao refugio da sua inutilidade.

terça-feira, outubro 19, 2004

MODERNICES



GRANDE e Bonita

Mãe – (a pentear o cabelo da filha) Tenho pena que não o cortes, prefiro ver-te com ar de Maria rapaz.

Filha – Depois os rapazes gozavam comigo.

Mãe – É bom que os rapazes gozem. Porque enquanto gozam não têm ideias menos decentes.

Filha – Se alguém se mete comigo fico triste.

Mãe – Nada melhor do que estar triste para fortalecer o carácter. É assim que nos tornamos grandes e bonitas.

Filha – Já esteve muitas vezes triste, mãe?

Mãe – Não tantas como gostaria. Sempre me deixaram ter o cabelo grande como o teu. E isso não me trouxe nada de bom.

Filha – (hesitante) Se o cortar, vou ser grande e bonita?

Mãe – Terás mais hipóteses, minha querida filha…

Filha – Então corte-mo. Corte-me o cabelo para que eu possa ficar triste.


Mãe – (pega numa faca, detém-se a olhar para ela uns momentos, inicia o corte de cabelo, calmamente, mas gradualmente o ritmo acentua-se, cresce uma agressividade, transforma-se em fúria e degola a filha. Pausa. Respiração. Um momento. Retoma a pose e o sorriso) Agora, meu amor, estás grande e bonita. Como eu nunca fui.

ANDORINHA

Maria – Gostava de ser uma andorinha.

Ana – Uma andorinha?...

Maria – Sim. Podia voar e ser feliz.

Ana – Nem todas as andorinhas são felizes.

Maria – Mas eu seria.

Ana – Não te percebo.

Maria – Ana, de que se faz o mundo?

Ana – O mundo… faz-se de ti, faz-se de nós…

Maria – Então… se o mundo se faz de nós, porque é que ele não é aquilo que queremos que seja?

Ana – Não entendo. O mundo é como nós o vemos.

Maria – No meu mundo, eu seria uma andorinha. Mas não sou uma andorinha, pois não?

Ana – Não, não és uma andorinha. Mas podes imaginar que o és. E então o teu mundo passa a existir em ti.

Maria – E poderei voar?

Ana – Se assim o imaginares.

Maria – E ser feliz?

Ana – Se for essa a tua vontade.

Maria – Então vou ser uma andorinha. Vou voar e ser feliz.

(Maria atira-se de um penhasco, de braços abertos. Ana assiste serena, esboçando um sorriso)

Ana – Voa minha querida andorinha. Voa e sê feliz.

(Ana detém-se por uns momentos e sai de cena calmamente)

VENTO

Está um vendaval impressionante. A botija de gás atrás da porta faz um esforço que não lhe compete para evitar que o vento entre pela garagem mesmo sem ser convidado.
A D. Celestina, vizinha aqui do lado, preparava-se para ir à padaria comprar as suas 3 carcaças, como de costume, quando foi surpreendida por uma rajada fugaz que a levou até ao fundo da rua. Foram dar com ela agarrada a um poste da electricidade, chorosa e descontente, impressionada por aquilo que lhe tinha acontecido, mas acima de tudo muito preocupada com a sua carteirinha que também tinha sido apanhada desprevenida, acabando por se esquivar das suas mãos. Continuam as buscas à carteira, porque sem ela as carcaças não saem da padaria e a D. Celestina não pode cumprir o seu ritual diário, de tanto desgosto em que se vê mergulhada.
Mas nem só histórias tristes conta o vento.
A Margarida, uma rapariga cá da terra, deve ter os seus trinta anos, saiu de casa como habitualmente, logo pela manhã. Dirigiu-se para o carro, com um casaco até aos pés e um lenço a tapar a cara, porque o tempo prega partidas e as poeiras fazem invasões constantes aos olhos mesmo de quem não as quer ver; e , no momento em que tirava a chave da sua carteira para que pudesse abrir a porta do seu Seat Ibiza e abrigar-se no interior, sente no rosto uma presença repentina. Descortina o lenço do olhar e encontra mesmo ao seu lado, a pairar, a boneca Bia que perdera em criança e que o vento se lembrara de lha trazer, para que pudesse recordar como feliz e descansada tinha sido a sua infância.

Aqui... a hora da noite

Confesso que a esta hora pouco me é permitido escrever. Não que haja uma espécie de agente da autoridade que me impeça de o fazer, mas as capacidades intelectuais é que sofrem danos incontornáveis com o avanço tardio dos ponteiros. De qualquer das maneiras aquilo que queria fazer consegui. Um blog que espero poder concretizar de acordo com aquilo que considero ser importante para o desenvolvimento de algumas das motivações que me levam a estar aqui. Vamos lá a ver. Que os olhos são testemunhas fundamentais nisto que aqui temos. Saudações a todos "os que me visitam". Aqui nos encontramos.

Começa assim...