segunda-feira, março 28, 2005

Se ela lá estivesse

Com o passo acelerado, movido pelo tormento da incerteza, cheguei ao destino combinado.
Lá estava eu, um homem bonito, mas apoquentado pela instabilidade dos outros.
Esperava-a a ela, uma mulher feia, mas muito convicta das suas verdades.
Éramos como um todo, que se complementava pela via da cordialidade. Julgo que é assim que funciona o mundo. Fiel às compatibilidades producentes.
Não há tempo para enganos, que nos atrofiam o espirito obcecado e a pouca fé que nutrimos pelos outros que achamos não querer ver.
Mas a ela vi-a. Porque me fazia falta. Porque era a cabeça dela que queria ter, todos os dias, ao lado da minha, na grande almofada da nossa cama.
Fora invocado pela sua teimosia, incisiva como uma navalha afiada, que me convencera na noite anterior, através de uma daquelas linhas flexiveis e encaracoladas, permeáveis à comunicação.
E ali estava eu, expectante e inseguro, refém de uma mulher que conquistara a minha ambição.
Eram 10.37, uma manhã regular, numa estação de comboios, referida algures pela beleza da sua arquitectura invulgar.
A hora acordada, viria oito minutos depois. Restava-me a espera atrofiada que antecede sempre qualquer incerteza. Nesses momentos, o relógio era o meu foco de atenção, alvo do meu olhar penetrante a cada movimento significativo dos ponteiros. Rituais que se traduziam em eternidade.
À hora marcada, o comboio suspendeu o ritmo na área das chegadas. Deixou-se ali ficar uns breves momentos, até decidir mostrar o seu interior, ao recorrer a um sistema mecânico de abertura de portas.
Todos sairam.
Eram muitos pares de sapatos em movimento. Distintos nas suas características. Centenas de histórias que cada um deles poderia contar.
No seio desta sapataria ambulante, estavam aqueles que me captavam sempre a atenção. Os da mulher que amava.
Aproximou-se de mim. Deu-me a mão. Encaminhou-me. E mostrou-me a eternidade.

Tic Tac

Ao escrever, percorro o tempo. Aquele que me tem acompanhado, que me mostra o mundo e me permite ver-me, reflectido nas coisas que faço.
O tempo. Aliado precioso. Dele, tiramos o proveito que entendemos. Podemos contar com a sua cumplicidade para embalar os medos e conquistar a amizade da serenidade.
Temos tempo para compreender, para definir um rumo, para dedicar a uma causa, para atingirmos os nossos fins. Com ele, podemos relativizar o que nos atormenta. Porque é ele que nos mostra a sensatez.
Hoje estou aqui, porque o tempo mo permite. Amanhã não sei se será esse o meu destino.
Mas, até lá, prometo ao tempo que vou tentar ser feliz.