(do Lat. inspirare), v. tr. introduzir o ar nos pulmões; sugerir; insinuar; encher de inspiração ou estro.
quarta-feira, abril 27, 2005
Circular
- "Conseguiste?" - "O quê?" - "Aquilo que me tinhas dito?" - "O que é que eu te tinha dito?" - "O que querias?" - "Mas o que é que eu queria?" - "O que é que me disseste?" - "O que é que eu te disse?" - "Aquilo que querias?" - "Aquilo que eu queria?" - "Sim, o que estavas a precisar?" - "Mas o quê?" - "Oh, deixa lá isso..." - "Está bem."
"A vida é uma oportunidade que nos é dada para sermos felizes", dizia a senhora de idade com um sorriso no rosto, na paragem do autocarro, logo de manhã. Aquela frase enraizou-se no meu pensamento e acompanhou-me ao longo de mais um dia, semelhante a muitos outros, mas em tudo diferente pela ironia da imprevisibilidade. A vida é, de facto, uma oportunidade. Cabe-nos a nós saber aproveitá-la da melhor maneira.
No mundo de Ian e Myra o sol tem um brilho diferente. Este transforma os seus desejos em ânsias desesperadas, ao permitir-lhes uma existência permeável à eloquência, onde tudo se desenha com a tinta da sua arrogante vontade.
E se... te cruzasses com o teu destino, numa esquina que ainda não conheces? E se... estivesse à tua espera, nessa esquina que ainda não conheces, aquilo que tens procurado? E se... aquilo que tens procurado não for mais do que aquilo que já tens em ti, lá dentro?
Elas estão ali, à minha frente. Sim, estou a vê-las. Cada degrau representa-se a si mesmo, colossal, sublime. Do lado de cá, a vontade emerge. Sussurra-me ao ouvido, com toque de algodão. Um pano suave, seda original, aproxima-se de mim. Desce a escada, serenamente, convencido pela brisa determinada que urge logo atrás. É o meu momento. Agora. Tudo o que tenho. Tudo o que quero ter. O pano chega assim. Torna-se em mim. Cobre-me enfim. Eu não vacilo. Pertenço-lhe. Vou por ali. Sim, por ali.
Uma a uma, lentamente, todas saem do pacote. São companheiras de vida desta senhora que não quer ver o tempo. Que deixou de acreditar que é possível deixar para trás os crimes de vida que a atormentam. Sessenta anos e alguns meses de barriga são suficientes para lhe furtar a esperança que poderia ainda existir em cada um dos seus movimentos respiratórios. Para evitar pensar, socorre-se destas pastilhas... elásticas... modeláveis... que não se queixam dos tormentos que sofrem às mãos de cada dente enraivecido. Ao mastigar, esquece-se do mundo. Num gesto recorrente, menor, eficazmente redutor.
Estava a descer as escadas quando ouvi o meu nome a ser chamado por ti. Claro que me voltei imediatamente, não poderia ignorar o teu apelo entusiasta e tão explicito. Regredi no tempo e no número de escadas ao ver a tua expressão infantil mas determinada depois de me pedires que te acompanhasse à tua primeira passagem pelo museu da vida que era tua. Tu... Já a música me dizia para ter cuidado. Já os teus olhos me ensinavam que nem sempre o destino se faz daquilo que realmente queremos. Já a tua boca me sabia a desilusão quando resolveste prescrever o não. Seria mais fácil se o engano tivesse sido meu. É sempre mais fácil quando nos entregamos à via da tentação. Mas a razão também tem voz. Tem voz e não é pequena, que quando se põe aos berros não há quem tenha paciência.