quinta-feira, janeiro 19, 2006

Pequenina

"Oh mano podes limpar-me o rabo?
- Porquê?
É so para ver se o cocó é rijo ou mole!...
É que se for mole, eu borro-me toda!"

E amanhã?

Farto-me de puxar este lençol.
Todas as noites, prendo-o estrategicamente debaixo do colchão, de forma a que me pareça que está sempre a fugir. Dessa maneira, recordo-me de ti, que me fazias companhia, com essa tua vontade egoísta de fazer da minha cama o teu palácio, onde sentias o dominio perfeito.
Sempre soubeste que eu era teu. Sempre te pertenci. Desde que me mostraste esse teu lado esquivo e sóbrio, diferente de tudo, mas igual àquilo que queria para mim.
Assim que me deito, sinto o teu calor. O saco de água quente substitui-te na perfeição.
O cheiro ainda é o mesmo, ainda me perfumo em ti, ainda te vejo a entrar pela porta e a sorrir com um aceno de culpa, por teres a certeza daquilo que te esperava, que nos esperava.
Um dia destes, vou-te visitar. Levo uma flor. Canto-te uma canção. Que me faça lembrar a tua rebeldia, que me obrigue a esquecer a ousadia, que me ajude a renascer nesse dia.

quarta-feira, janeiro 18, 2006

Esta é a minha tarde

Ele sabe que cada passo na areia é uma marca sua que ali deixa.
Está a caminhar junto ao mar, numa tarde de sol encantadora.
Quando olha para trás, apercebe-se do rasto que as suas pegadas escreveram. Ficaram ali, suspensas no tempo, reveladoras do caminho que acabara de percorrer.
No entanto, logo o mar sobe e se junta a essa recordação. Envolve-a e leva-a consigo, para um sitio seguro. Não a apaga, apenas a substitui por uma nova oportunidade.
E ele continua. Passo a passo. De frente para a vida.

sábado, janeiro 07, 2006

Como quem se masturba

A Mariana queria um livro. Sempre desejara saber ler e perceber o que cada uma das letrinhas poderia significar. Ficava muito intrigada quando via alguém agarrado a um texto ou a viajar sentado, bastando para isso observar as expressões de regozijo que a cara dessa pessoa exibia quando se entregava ao prazer de um bom livro.
Quando alguém lhe perguntava o que queria ser quando fosse grande, a Mariana respondia de um só folego "Quero ser leitora!".
A Mariana tinha 78 anos.


Sempre bem vestido, o João decidiu que aquele era o dia em que ia bater à porta. Ele sabia que as hipóteses de ser bem sucedido eram escassas. No entanto, não quis deixar de desafiar o destino e impor aquilo que a sua vontade lhe sussurava ao ouvido "Tenta, pode ser que ela abra. E abrir a porta é também abrir o coração".
Respirou fundo, hesitou dois segundos, lembrou-se do que a mãe lhe dizia todos os dias em pequeno antes de sair de casa "Filho, olha que a vida é curtinha, não te percas naquilo que não vale a pena".
E não se perdeu. Bateu à porta duas vezes, à terceira ela abriu e deixou-o entrar.

"Rafael!", diziam as gémeas.
"Rafael, não comas porcarias!"
O Rafael tinha quatro patas, mas elas tratavam-no como um irmão mais novo. Onde quer que fossem, levavam o cão com elas. Eram inseparáveis.
Um dia, quando o verão dizia que o calor era a maior de todas as imposições, a mãe das meninas decidiu que era altura de levar o Rafael ao cabeleiro. Tinha pelo de rei, uma juba de leão enternecedora, mas muito pouco conveniente em épocas quentes.
Elas ficaram por casa, ele seguiu com a mãe.
Horas depois, a mãe regressou. Trazia um animal que não reconheciam. Era um Rafael diferente, menos bonito, algo atrofiado e vulnerável.
As meninas não se deixaram intimidar, abraçaram-no imediatamente, como de costume.



Naturalmente...

Conquista-te

O tempo não pára.
Imagina-te num rio. Corrente forte. Estás num barco, que é teu, estão lá os remos, tens comida suficiente até à próxima oportunidade.
A viagem depende de ti.
És tu que decides o destino.
O cenário pode mudar.
Cada margem é uma história que podes escrever.
Assim é a vida. Momentos. Decisões. Ela segue, não abranda. Mas tu podes sempre optar. Tu estás mesmo ali, e tudo o que te rodeia são chaves para o percurso que queres seguir.
É como se de repente tudo fizesse sentido.
Deixa-te ir, mas não deixes que te passe ao lado.