terça-feira, maio 09, 2006

MALHAS

Cecilia. 28 anos. Costureira.
Ponto a ponto levava a vida, recorrendo às virtudes que a sua avó lhe ensinara ainda na meninice.
A linha era religiosamente escolhida, que o rigor assim ditava, por forma a fazer um trabalho digno.
Companheiras de vida, as agulhas cintilavam, prostradas na eternidade de uma alcofa centenária. Era ali que Cecilia se refugiava da dor.
Nascera e logo o seu futuro se traçara, pois em famílias humildes em que não se quer que o pão falte à mesa há que fazer sacrifícios de fé, não vá o diabo tece-las e assim sempre tecemos nós alguma coisa por ele.
Cecilia era triste, contrastando com a alegria das roupas que tanto trabalhava. Dignas de elogios, cobiçadas pelas senhoras de bolsas mais recheadas, acabavam sempre por fugir-lhe das mãos no momento em que finalmente as regalava.
O tempo lá passou e a Cecilia nunca se casou, era já de si comprometida com os seus afazeres, não tinha tempo para coisas de nada, que não enchiam a mesa.
Amores não conheceu e, com franqueza, pouco perdeu, pois no seu mundo pequenino, grandes loucuras não tinham razão de ser e de existência.
No dia em que morreu, nem sequer se apercebeu que o vestido que consigo na campa levava era aquele em que nunca tinha trabalhado.
Vale mais viver agora, do que deixar para depois...